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COLABORAÇÃO PARA "SOLO PROJECT" DA ESCOLA AUSTRÍACA SEAD

  • Maria Carolina Vieira
  • 30 de abr. de 2014
  • 5 min de leitura


Essa semana, mesmo durante a criação do espetáculo VADER com a companhia Peeping Tom, tive o grande prazer de trabalhar como colaboradora dirigindo a bailarina Iliana Kalapotharakou para sua finalização do curso da escola SEAD na Áustria. Nesse projeto de conclusão, a escola prevê que cada aluno entre em contato com um artista de sua escolha para refazer uma coreografia de um de seus espetáculos no formato solo, daí o nome "Solo Project". Iliana encontrou meu trabalho na internet, um solo de 2009 chamado "Fragmentos" que por coincidência também foi meu solo de formatura da Universidade do Estado de Santa Catarina. Ela, então, entrou em contato pedindo para remontar o trabalho a partir da minha direção. Achei a proposta muito interessante já que, a partir do encontro, poderia colocar a minha obra em diálogo com outro corpo. Iliana veio até Bruxelas para trabalharmos durante uma semana.


Nosso encontro trouxe várias questões à tona. A primeira: o que seria refazer a coreografia? O que seria manter fidelidade a uma obra já existente? Deveríamos aderir à forma como primeira instância para passar de um corpo a outro? Ou seriam as questões do momento da criação a serem revisitadas/recriadas? Seriam os princípios de movimento e estados corporais nossa prioridade? Que aspecto seria privilegiado em detrimento de tal fidelidade? Essas perguntas me lembraram do texto de Victória Perez (2007), Repensar a história da dança a partir do gesto, no qual a autora discute essas questões.


Para mim era claro o interesse em fazer da experiência para Iliana mais do que copiar aquelas imagens que ela viu no vídeo, um passo após o outro, mas desenvolver a partir de seu corpo as questões do espetáculo. Porém, uma das restrições da escola é que as coreografias se aproximem o máximo possível em termos de imagem da gravação apresentada para os professores que avaliarão o processo. Havia, segundo a bailarina uma possível abertura para mudanças, pois a intenção do projeto é que se mantenha viva a coreografia. Mas há também a preocupação de que não se gere um novo material a partir da obra, a obra deve continuar a mesma. Para mim essas questões eram as restrições necessárias para o nosso campo de ações para desenvolver o projeto, restrições paradoxais entre o meu desejo de fazer do nosso encontro uma pesquisa e não uma cópia ou reprodução - até porque mesmo que em ínfimas instâncias do corpo isso não me parece possível - e a regra que de alguma maneira deveríamos manter as formalidades do meu vídeo de registro. Este era um primeiro desafio para mim como colaboradora, porém, isso fazia parte do jogo e eu topei o desafio. Como fazer com que Iliana tabalhasse a seu modo, sem fazer uma cópia formal, as idéias que trabalhei para montar o solo ao mesmo tempo que chegássemos a uma imagem similar a minha?


Nossos corpos tem qualidades e potências muito diferentes e me parecia um desperdício querer que aquele corpo se restringisse a procurar ser o meu. Iliana tem um corpo muito forte, a musculatura bastante desenvolvida enquanto a minha característica marcante enquanto estrutura de corpo é a flexibilidade. Por essa razão, fomos procurando que a bailarina experimentasse duas cenas de diferentes formas, em diferentes métodos, pois a própria coreografia de cada uma dessas cenas já se apresentava pedindo tratamentos diferentes. Isso também pois o solo não foi feito inteiro, o projeto previa no máximo 20 minutos de material. Por isso, optamos por investir em menos cenas para poder ter mais tempo em cada uma.


A cena chamada "O Cavalo", quando criada por mim, foi concebida de forma a organizar a dança em uma coreografia passo a passo, com improvisos de tempo e tensões da musculatura devido a interpretação de cada realização; mas os movimento tinham uma estrutura fixa, formalidade específica que permitia ser ensinado como extrutura pré-concebida e recriada em outro corpo a partir da forma. Assim, fomos observando como o corpo de Iliana se apropriava daquelas formalidades, sem insistir muito na forma original, mas observando quais as qualidades que seu corpo criava reverberando diferenças, e a partir dessas qualidades diferentes fazer escolhas de investir ou modificar a estrutura original. Mas havia no início da cena, um tipo de dança que eu havia criado mais como princípios para se mover que geravam um comportamento do corpo do que uma estrutura formal como prioridade. Era um tipo de deslocamento que poderia lembrar um galope de cavalo - e de fato teve o verbo galopar como mote de criação - que se baseava em alguns parâmetros de movimento e estado. Além dos passos, os indicativos como balançar a cabeça, pular, se deslocar rapidamente, frear, funcionavam como campos de informações para gerar a ação no corpo que Iliana poderia explorar a seu modo. Investimos nesse modo de trabalho, ainda mais na cena descrita a seguir.


Na cena chamada "Mulher de saia Verde" o processo se debruçou em outras questões. A base para a recriação da coreografia agora eram mais intensivamente os princípios de movimento. Passei para Iliana os parâmetros os quais havia criado a cena, dentre eles, os conceitos : "auto-enrolar" e "discursar o movimento", que, conforme fomos pesquisando, ficavam mais claros os sentidos desses conceitos para que ela guiasse suas escolhas no ato de dançar. Simplificando os outros parâmetros, Iliana deveria fazer emergir do princípio de "auto-enrolar" pausas e contrações até que seu corpo tremesse. O ato de fazer emergir foi um dos principais pontos que trabalhamos. Existia um certo conflito para Iliana em estar aberta ao momento presente, a tomada de decisão do seu corpo para pausar ou contrair eram em grande maioria nos mesmos momentos e numa intensão de mostrar essas ações mais do que fazê-las. Ela fazia mostrando que estava fazendo e isso criava certa saliência na coreografia que se afastava da prerrogativa de fazer os parâmetros emergirem do movimento. Aos poucos fomos trabalhando e Iliana foi "ouvindo" os movimentos aconteciam imprevisíveis em sua ação, movimentos em que estava envolvida, e seu corpo poderia usar dessas ações e tensões já existêntes para compôr novas ações. Assim ela conseguia perceber que no próprio ato de "enrolar" existiam instantes de pausas potenciais, e de contrações também em potencial que, se atenta, poderia investir e tornar a textura pausa ou contração mais intesas.


Montamos um pequeno contexto para as cenas para que as cenas são ficassem muito secas, começando e terminando abruptamente. Ainda passamos por muitas outras questões. Mas deixo aqui esse breve relato. Foi um encontro bastante produtivo e que me deixou bastante satisfeita ao ter o feedback que eu mais poderia querer de Iliana. Ela me relatou que algo em seu modo de pensar havia se transformado, que ela e sua dança haviam se transformado por aquela experiência. Isso para mim era o que mais importava. Certamente eu também me transformei, não havia como ser diferente.


Você também pode ler o depoimento e análise de Iliana Kalapotharakou sobre o processo neste site no menu > textos autorais.

 
 
 

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